sexta-feira, 25 de julho de 2008

Fotografia: Armindo Dias







Acordou de súbito como se a noite de sonho fosse condenável, o corpo cansado não impediu que levantasse rapidamente e penetrasse o olhar entre as peças do mobiliário a espreita de alguma presença estranha, fitou cuidadosamente cada espaço vazio do cômodo e tudo lhe pareceu igual. Soltou um suspiro que mesclava tranqüilidade e desgosto e pôs-se a observar tudo que ali se mantinha íntegro. Tantos anos despertando no mesmo aposento, tantos anos as mesmas paredes, a mesma dignidade, a mesma loucura, o mesmo silêncio.

A identidade conquistada pelos extremos de conforto e estranhamento tende a assumir forma contrária ao que parece e comumente não se presta o cuidado apropriado até chegar ao ponto de se perder a lucidez do 'eu' essencial.

Ameaçou dirigir-se à janela, mas atirou-se brutalmente na cama, naquele momento nada lhe interessava mais do que a nulidade, nada que estivesse além de sua própria existência transmitia-lhe crédito. Existir ali não significava ofício, romance, amigos, ordem, bem-estar, sexo, jornais, televisão não significava porra nenhuma! Era só a inteira ausência de um sujeito coletivo, a cruel e efetiva realidade do homem. Todos os engodos se desintegravam na falta de palavras, na imobilidade dos gestos, na claridade do quarto e tudo era claro, demasiadamente claro.

— É a minha casa que tem várias moradas e não a do Pai de Outro. Veja a honestidade neste espelho, sou eu! Veja a mulher contente, o cachorro mijando, as crianças correndo, as abelhas copulando. Veja a insensatez da gente, o vizinho transando, o velho morrendo, a bailarina dançando! Veja o mundo inteiro, sou eu! nada existe além de mim, sou eu o tempo todo perambulando no concêntrico do Universo, um mundo todo ele 'eu' e ninguém mais existe que não passe por mim, pelo meu entendimento... Tudo isso é uma clausura intransponível, um vácuo biográfico, um distanciamento contínuo. Sou-me em igualdade de representação tal como és. Sou eu.

Nenhum comentário: