terça-feira, 20 de abril de 2010

Crítica ácida às metrópoles



A editora Panini traz um belo presente este mês para fãs de quadrinhos adeptos das temáticas mais adultas da Vertigo, divisão da DC Comics. Trata-se de uma versão encadernada reunindo as seis primeiras edições de Transmetropolitan - De Volta às Ruas (148 págs; R$ 45,00), escrita pelo britânico Warren Ellis e ilustrada pelo americano Darick Robertson.

Transmetropolitan tem como protagonista o jornalista Spider Jerusalém. Ele é um sujeito desagradável, rude, viciado em drogas e tendendo ao perigoso, mas quando ele escreve, tem o dom de encontrar a verdade, por mais que se esforcem para escondê-la.

Tudo começa com o anti-herói refugiado e recluso da humanidade em uma cabana nas montanhas. Ele saiu da Cidade – esse é o nome da metrópole – por começar a se sentir contaminado. Entretanto, por contrato, o jornalista deve mais alguns trabalhos para seu editor, a quem ele chama carinhosamente de "o grande cafetão". Eis que surge o paradoxo, pois Spider Jerusalém só consegue escrever no calor dos acontecimentos. Logo, o jeito é voltar para o centro urbano.

Hunter Thompson em Blade Runner

A Cidade é um palco alegórico e futurista, onde todas as neuroses das grandes metrópoles contemporâneas são elevadas de forma exponencial. Informações trafegam em nuvens, em quantidades vertiginosas, e os alimentos são feitos por sintetizadores mafiosos junkies.

No centro dessa confusão é que retorna Spider Jerusalém, um nome que faz os poderosos e até mesmo o presidente dos EUA perderem o controle de suas funções fisiológicas. Ele é esperto, tem conhecimento, é insubornável e assustadoramente subversivo para ser ignorado. Uma espécie de Hunter Thompson em Blade Runner.

É nesse contexto em que o escritor Warren Ellis, famoso por seus textos ácidos e certeiros, usará seu personagem – parecido demais com seu criador, aliás – para chutar o balde no que se refere à política, movimentos sociais, segregação racial, religião e consumismo. Tudo encaixado em um cenário onde reina o absurdo, mas aquele absurdo bem conhecido para quem vive em grandes metrópoles. Essa ambientação destaca principalmente o trabalho minucioso e expressivo do desenhista Darick Robertson.

Essas mesmas seis edições já haviam sido lançadas em português anteriormente, mas por duas editoras diferentes. Além disso, achar os três números iniciais era uma tarefa próxima do impossível. Vale lembrar que colecionar HQs no Brasil não é um hobby fácil. Descontinuidade, cancelamentos e mudanças de editoras são fatores que levam os leitores a arrancarem seus cabelos e ir adquirindo em doses homeopáticas o que sai por aqui de seus personagens favoritos. Quanto mais underground o título, pior fica.

http://br.noticias.yahoo.com/s/20042010/11/entretenimento-hq-critica-acida-metropoles.html

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Capitalismo por Michael Moore



Apesar de George W. Bush ter ido embora, Michael Moore está de volta, provando que sua produção não se resumia em uma perseguição pessoal contra o ex-presidente dos EUA. De certa forma, ao descentralizar seu alvo, o documentarista conseguiu criar uma crítica mais universal e mais mordaz sobre as injustiças sociais, como se observa em seu novo filme: Capitalismo: Uma História de Amor.
O filme estreia neste sábado (02/04) nos cinemas brasileiros, fazendo parte do festival de documentários É Tudo Verdade. Quem abriga a projeção é o Espaço Unibanco a partir das 19h.
Alvo maior
A história de amor, a qual se refere Moore, se dá entre a iniciativa privada, no caso os grandes conglomerados e os tubarões de Wall Street, e o governo americano, baseado em exemplos de promíscuas trocas de favores.
E não apenas os republicanos sofrem nas mãos de Moore, pois o diretor não poupa o público ao revelar uma verdadeira sucursal de Wall Street na Secretaria do Tesouro na administração Clinton. Isso sem falar na misteriosa adesão relâmpago dos senadores do partido, durante a polêmica aprovação do pacote de ajuda às empresas quebradas durante a crise econômica de 2008, contrariando a vontade popular.
Mas é impossível para os republicanos escaparem, já que a administração Reagan sofre uma verdadeira dissecação no filme, ao caracterizar o poder público como um artifício da vontade do capital.
Para quem sobra?
O mais importante aspecto do filme é mostrar que todo o ônus dessas artimanhas sobra para as massas, o povo, o americano médio. Desde os que hipotecaram suas casas convencidos por uma jogada bancária, transformados em novos sem-tetos, até famílias cujos parentes mortos aumentaram algumas cifras na receita das companhias em que trabalhavam. A coisa extrapola o absurdo quando alguns relatórios indicam que determinado empregado vale mais morto do que vivo.
A equação geral é: administração pública somada ao interesse privada pontecializada com forte propaganda institucional é igual a miséria da classe trabalhadora. E o pior, uma classe tão engasgada com uma ideia irreal do sonho americano e impossibilitada de sentir as mãos lépidas em seus bolsos.
Artifícios
Tecnicamente, o formato de Capitalismo segue semelhante aos dos filmes anteriores de Moore. Há muita coisa gravada in loco e dialogando o tempo todo com cenas arquivadas que receberam uma narração atual. A ironia reina o tempo todo, ainda que haja espaço para cenas dramáticas de teor bem mais sério. Algumas verdadeiramente comoventes.
No mais, é um filme digno de ser visto, concorde o espectador com Moore ou não. É um discurso muito bem construído e argumentado, cuja alguma crítica só poderá ser contundente com igual nível.
Portanto, simpatizar ou não com Moore é irrelevante e não se torna motivo para diminuir o valor do filme. Ou como disse Voltaire: "Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo".