segunda-feira, 8 de junho de 2009

Diálogos pós-modernos

- Alô

- Alô, alô, minha filha, é você minha filha, fala comigo...

- Mãe, sou eu. Por que a senhora está nervosa? O que houve?

- Ai minha filha, que susto que eu passei agora, ai calma... Ufff... Ufff... Ufff

- Mãe? A senhora está bem? Mãe!?

- Alô minha filha, aqui é seu pai! A sua mãe está com falta de ar. A sua mãe... O que foi aquilo, minha filha. O que diabos aconteceu com ele? Minha nossa senh...

- Pai! O que está acontecendo? Não estou entendendo nada. De quem voc...

- Minha filha, seu pai está muito nervoso... Ufff... Ufff... – Nós não acreditamos quando vimos aquilo. Minha filha, eu tenho oitenta e sete anos de idade e seu pai tem problemas no coração. Meu bom deus, oitenta e sete anos... Eu não posso passar por isso. Ai, ai, fala com ela Aurélio. Meu braço ta doendo Aurélio.

- Mãe? A senhora está bem. Fique calma. Estou indo para...

- Não venha! Não venha! Eu já tranquei as portas e não vou abrir tão cedo. A sua mãe está muito perturbada... Ela tem oitenta e sete anos de idade e eu tenho duas pontes de safenas. Eu tô cansado minha filha. Muito cansando para este tipo de susto – Carmina, fica deitada aí. Eu falo com ela. Não, fica deitada, fic...

- Meu deus, o que tá acontecendo?

- Alô minha filha...

- Mãe?

- Filha, é sua mãe que está falando. Olha, nós te amamos muito... Nós te criamos com todo o carinho. Nós criamos você e sua irmã para serem boas mães, boas...

- Mãe, não chore. Eu sei de tudo isso. Não se...

- Minha filha. Eu nunca tinha visto aquilo antes. Como é possível, meu bom deus, como é possível aquilo? – Calma Aurélio, eu estou melhor. Não, não vou tomar outro remédio. Senta aí – Minha filha. O seu filho passou aqui...

- O Ricardinho? Mas hoje é sábado, é dia dele...dele... ai não

- Cristina, minha filha, nós estávamos na sala...

- Mãe, calma, eu posso explicar. Eu...

- Cristina, nós estávamos na sala! Eu não escutei a porta se abrindo. Cristina, meu ouvido esquerdo não funciona bem. Eu vi do meu lado, ai meu deus. Era o Ricardinho, Cristina. O seu filho estava de batom!!! De batom, Cristina. Ele... – Aurélio, volta pra cama, não...

- Cristina, por que o Ricardinho estava vestido de mulher, Cristina? Ele é homem! HOMEM! Por que seu filho veio aqui de vestido e peruca loira? Que desgosto Cristina.

Eu me recuso a escrever um poema, seria ridículo. Finalmente o artista foi reduzido ao pateta, ao albatroz capturado, desengonçado na proa do navio (Baudelaire). Esta é a época do nada, do niilismo (século XXI). E se a poesia é resistência (Bosi), que comece então rasgando o discurso da propaganda, do design, que ela inspire os assaltantes de banco, os vagabundos, que ela vá para o deserto e para os planetas e para as estrelas e para a vagina, sem rimas, que ela dê saltos maiores que a leis da ciência permitem, que ela seja um peido na cara de Aristóteles, um haikai sobre os pássaros, os sapos e as cigarras que anunciam o fim de tudo...
Que se fodam as vírgulas e as aulas de literatura nas grandes universidades e as análises acadêmicas das obras dos grandes poetas e as futuras professorinhas de literatura. O inimigo não vacila. O inimigo está em todos os lugares, a todo momento, o inimigo é onipresente, o inimigo é o Deus que entrou pelo seu rabo e faz você acreditar que está velho demais para mudar alguma coisa, afinal não existe mudança, reze, faça uma bela oração agradecendo o seu salário mínimo, o ônibus lotado, as prestações da casa própria, do carro popular, a vida que passa e que a morte seja piedosa contigo seu filho de uma puta...
(Não se engane -- eu não estou cansado -- comprei um revólver calibre 32 hoje de manhã -- uma bosta, o projétil não atravessa nem um crânio humano -- assista a um filme pornô, veja como eles gozam... aquele orgasmo de plástico, aqueles gemidos falsos, aquela porra tão vazia como qualquer
cinemark, como o "eu te amo" que você ouve todos os dias...)

Notlimah Avlis

Imagem adulterada da Revista Leg Show, edição janeiro 2009, pág.49