quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Variação de Buried Dreams, do Carcass, em acento melódico dos transtornos de personalidade obtidos de forma darwiniana.


(CLIQUE NA IMAGEM E OUÇA ENQUANTO LÊ)

Enterrado em uma cova rasa, muito tempo depois de experimentar a morte, sete palmos de terra sufocam a única palavra que um cadáver enclausurado consegue dizer: “NÃO!”,

se o dinheiro dos vivos em deus confia, as moedas em minhas órbitas vazias tem a negação gravada no metal,

sou ligado ao mundo por um cordão umbilical podre, que me nutre de pústulas, gangrena e um laço mental verdadeiro de necro empatia,

posso sentir uma pomba branca assegurando mais uns dias de existência, ao se deliciar com as vísceras de um recém-nascido moribundo e abandonado em uma lixeira,

em algum jornal está a foto de Glória Esperanza, uma imigrante boliviana, violentada, mutilada e deixada para morrer na sarjeta, nos Campos Elíseos,

algumas páginas depois há uma reportagem sobre a epidemia de depressão e o aumento do índice de suicídio entre palhaços,

balançando a trinta centímetros do chão, com o pescoço num laço e com urina e excrementos vazando por suas pernas, está ela, que sempre se maravilhava ao dizer a alguém que tudo iria ficar bem,

o combustível da vida está se esgotando, e logo tudo o que sobrará serão resíduos venenosos dessa combustão fugaz,

uma lufada de vento arenosa e áspera sopra nos canos de uma fileira de baionetas presas à defuntos, produzindo no deserto o mais belo hino à escatologia inerente à existência ,

amantes, famílias, tribos, etnias e nações se ajoelham e praticam uns com os outros o rito ao deuses do Amorticídio,

o feto do novo século é batizado em sangue escuro e podre de próprio aborto, enquanto as pernas hemorrágicas de sua mãe tremem com a antena feita de um cabide desmontado entre elas, captando toda os bons presságios do futuro,

as cidades, em estado vegetativo, imploram por eutanásia e rezam fervorosamente para o suicídio nuclear do planeta,

os adultos infelizes passam por purgação, olhando álbuns de suas infâncias e confessando o pecado de usurparem das crianças nas fotos as chances de tudo o que elas poderiam ter se tornado,

daqui em diante o amor será apenas um neologismo de autoria publicitária, uma droga que mantenham os zumbis circulando,

o caldo da vida se tornou uma poça de água suja parada, apenas propício para a reprodução vermes e seres decompositores, atores do grand finale do nosso grand guignol.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SOPA de pedra



Por que uma loja 24 Horas precisa de portas? E por que a sede do governo fica em um palácio, se nosso regime é republicano? Além de um passatempo bacana, ficar encontrando contradição nas coisas é um hábito preparatório para um futuro idoso entretido. De tão universal e atemporal esse exercício mental, suspeito que absolutamente nada escape ou resista à sua prática. Determinadas bandeiras político-econômicas, por exemplo, certamente não.

Antes de continuar, que fique bem claro que este não é um tratado científico e tampouco um texto doutrinário. É, como disse acima, apenas um passatempo mental de um cara rabugento e com algum tempo livre. E caso não estivesse aqui, teria sido vomitado em uma mesa de bar, após algumas cervejas, em companhia de amigos igualmente rabugentos e com algum tempo livre. Portanto, e de forma menos explicativa: caso não gostem e achem – certamente acharão – um raciocínio raso, vocês provavelmente têm razão, MAS EU ESTOU POUCO ME FUDENDO PARA ISSO. ENTÃO, NÂO ME ENCHA O SACO!

I

O atual governo do estado de São Paulo, regido pelo PSDB, carrega um projeto comum para os tucanos, cujo um dos estandartes é o neoliberalismo. Resumidamente: avenidas devidamente asfaltadas e atraentes, com mínima quantidade de praças de pedágios para grandes agentes da economia privada é a aposta de desenvolvimento. A pergunta não é o quanto o estado pode colaborar ou aproveitar essa fomentação, mas o quanto pode não atrapalhar; pois como bons liberais, há a concepção de que o estado é um corpo deveras pesado e lento para correr ao lado das, cada vez mais, dinâmicas e velozes empresas. Seguindo essa linha, seria ainda mais humilhante para o estado, tentar frear ou cercear atividades econômicas, pois além de contraproducente seria uma tentativa fadada ao fracasso.

Em linha bem semelhante está o ideal político-econômico dos EUA. A crise de 2008 mostra bem isso. O estado deu carta branca para especuladores deitarem e rolarem como crianças em uma piscina de bolinhas. Claro, que houve o inconveniente dos calotes em efeito dominó e a explosão da crise, mas o estado bem subserviente à economia tratou de rebocar os rombos financeiros e salvar todos os jogadores privados com dinheiro público. Ao invés de “quem não ajuda, não atrapalha”, foi “não atrapalha e trate de ajudar quando der merda”.

II

Eu poderia obter a mesma diversão jogando Tetris, War, ou o que seja, mas fiquei entretido vendo como ambos os modelos Estados, declaradamente coadjuvantes dos processos econômicos, tentarem frear relações de oferta e demanda, recentemente.

Em São Paulo, o governador e o prefeito da capital tentam a qualquer custo colocar um pano por cima da epidemia do crack atacando militarmente aquilo que eles consideram como o ponto chave do problema, a região da cracolândia. Tão escolados na fluência dos processos econômicos, duvido que não tenha pensado o que eu, um escroto com interesse em retórica, pensei.

Arrebentar com a cracolândia, a lá Charles Bronson, de maneira alguma vai encerrar o consumo de crack. A demanda não vai diminuir, e muito menos a oferta. O que empresas fazem quando se vêem em terrenos adversos às suas atividades e maximização de seus lucros? Procuram outro lugar, de preferência com mão-de-obra barata, impostos simbólicos e fiscalização estatal convenientemente relapsa. Inclusive, nessa fase de manutenção, existe até a brecha para um aumento de preço, dado que esse negócio possui o sonho de qualquer diretor de markenting: um produto quimicamente pontencializador da demanda . Logo, assim como uma grande empresa é uma entidade totalmente descentralizada, dotada de grande facilidade de fluxo, sendo endereços e sucursais apenas manifestações, a cracolândia pode ser qualquer lugar. É só colocar a placa em outra região. E recuperando a metáfora velocista, mercadores e consumidores sempre conseguirão ultrapassar a linha de chegada com grande folga em relação ao gordo e cansado estado de concepção tucana.

Nos EUA, o buraco é ainda mais embaixo. Depois de terem a sensação do compartilhamento de arquivos, não é um projeto de lei ou o fechamento de um site de armazenamento que irá interromper essa relação de oferta e demanda. Principalmente pela via digital, onde a velocidade desse fluxo é infinitamente maior, deixando ao estado, na impossibilidade de alcançá-lo, apenas gambiarras ao melhor estilo Coite x Papaléguas. A cada site fechado, é tempo suficiente para a abertura de mais uns cinco, sem contar de origem externa ao EUA, onde acaba a jurisdição do Tio Sam. Isso me lembra as antigas HQ´S do Nicky Fury lutando contra a organização HIDRA: “HAIL HIDRA! A CADA CABEÇA CORTADA DUAS NASCEM NO LUGAR”.

Diferente do caso do governado de São Paulo, o aparelho repressor americano nem tanta familiaridade tem com o local desse escambo, dado que via de regra, esse local nem mesmo exista concretamente. Tentar sitiar a internet parece como tentar colonizar a Terra do Nunca ou o País das Maravilhas. O estado nunca conseguiu nem acabar com a troca de fitas-cassete, o que dirá de arquivos digitais. Acho que a parte que mais dói nisso tudo é o fato da maior parte das trocas serem gratuitas.

III

O que a meu cérebro demente tira de tudo isso? Que aparelhos estatais neoliberais já partindo de sua concepção de incapacidade intervencionista pouco pode fazer para frear a relação de oferta e demanda nesses dois casos. Uma ação truculenta em um ponto dessa relação longe de ameaçá-la, só faz com que ela se desloque a outro ponto ainda melhor. A cabeça baixa às atividades produtivas e comerciais “lícitas” minou na base o poder de qualquer ação contra as ilícitas, dadas suas mesmas naturezas econômicas. Vendo pela exceção, uma das poucas diferenças é que a pirataria e a venda de drogas, diferente, por exemplo, dos atores da especulação imobiliária, não financiam campanhas.

A repressão policial é um artifício muito arcaico e draconiano para imaginá-lo com chances de sucesso. No caso de São Paulo, o estado que rotineiramente “lava as mãos” dos problemas teria que começar a fazer algo estranho a sua própria razão de ser: investir em ações sociais, sem a perspectiva de retorno ou economia financeira, caso tenha a pretensão de frear o alastramento da epidemia do crack.

Já nos EUA, o estado teria que parar de bancar a mãe coruja da criança mimada que é a indústria do entretenimento. Se essa indústria pode multiplicar em larga escala seus produtos, a revolução tecnológica agora assegura que o cidadão comum também o possa fazê-lo. Não adianta mais chamar a mamãe agora que o vizinho pobre também tem uma bola nova. A regulação estatal deveria se orientar no sentido de equiparar o comércio cultural em denominadores comuns entre a indústria e o nicho do compartilhamento digital. E isso só será possível quando a primeira cair na realidade e perceber que seus absurdos lucros com qualquer porcaria sonora ou audiovisual estão enterrados no passado.