quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Haiti é aqui

Apesar de odiar entrevistar populares nos famosos "fala povo", a repórter sabia que uma meia dúzia de micos era necessária para galgar alguns degraus na emissora. Podia não ser garantido como um teste do sofá, mas a gente tenta com o que a gente tem.
Toda vez que se lembrava do termo "povo", cognitivamente a imagem que vinha era de uma fila de repartição pública, como se os presentes estivessem ali por uma função inerente à natureza de "povo". Assim que o carro da emissora passou na frente de uma UBS, ela pediu para parar. A fila estava ali, esplendorosamente medíocre, boa como qualquer outra, então vamos acabar logo com isso!
Viu aquele velinho que consegue extrair simpatia até de jogadores inveterados de golfe, apontou para ele, pediu a montagem do equipamento, e na contagem do cameraman, 3, 2, 1:
"Bom dia, o que o senhor acha da tragédia no Haiti e da postura do governo brasileiro diante dela?", perguntou, pensando que se conseguisse uma fala boa daquele velinho poderia descartar a chatice de falar com outras manifestações do povo. O que não esperava, foi a resposta do velinho simpático.
"Nada. Eu tenho câncer e sou atendido pelo SUS".
Imediatamente ela pede para a equipe descartar o material, pois "isso não estava na pauta".
...
A falta de imaginação e o pragmatismo da repórter, ávida por uma promoção, com ou sem boquetes, descartou um bom material.

"Uma enorme tela de vídeo mostrando cenas de um filme pornográfico causou engarrafamento nas ruas do centro de Moscou na noite desta quinta-feira (14/01), quando motoristas chocados pisaram nos freios para olhar as imagens de corpos nus.
O dono da tela de publicidade, que está no alto de uma via importante a cerca de 2 km do Kremlin, afirmou à agência de notícias RIA que hackers invadiram o sistema que controla o cartaz eletrônico e inseriram as imagens do filme.
'Eles agiram por vandalismo ou eram de uma empresa rival', afirmou à RIA Viktor Laptev, diretor comercial da empresa de filmes publicitários Panno.ru.", dizia a notícia

Podem me chamar de pervertido, mas eu pensei em outro tipo de pornografia. Quer dizer, sexo explícito é banal, qualquer um com acesso a web pode ver uma trepada de uma anã com um jumento a hora que quiser. O que deveria ficar repetindo durante horas em outdoors na Avenida Paulista seria um tipo de material que causasse repúdio, vergonha e que ao mesmo tempo fosse inevitavelmente hipnótico, que não desse nenhuma chance de parar de olhá-lo. Que resgatasse uma culpa quase primordial incrustada na consciência de todos aqueles motoristas na hora do rush, que os fizesse se sentir com crianças vulneráveis frente a um perigo impassível. Algo como:
"Bom dia, o que o senhor acha da tragédia no Haiti e da postura do governo brasileiro diante dela?"
"Nada. Eu tenho câncer e sou atendido pelo SUS".

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