terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Diálogo dentro de uma livraria

“Sim, sim, você pode me ajudar. Chegue mais perto; quero ter certeza que escutará exatamente aquilo que direi. Preciso de um livro... Um livro que tenha 27,5 centímetros de largura. Ora, não faça esta cara de bobo, não peço nada de especial. Entrei em uma livraria para comprar um livro, certo? Ocorre que preciso de um livro com 27,5 centímetros de largura. Não desejo bons autores ou últimos lançamentos. Não perco tempo com edições especiais, nada. Quero apenas um volume que atenda ao meu desejo: 27,5 centímetros de largura. O comprimento pouco importa... Veja esta régua, custou-me um dia inteiro de trabalho extrair exatos 25 milímetros que lhe sobravam. Ah, quantos incômodos esses milímetros já haviam me causado antes. A decepção que me acometia ainda na porta de meu apartamento ao me certificar da medida exata. Aqueles dois milímetros... Aqueles dois malditos milímetros que pareciam ter surgido durante o trajeto. Mas agora, estou preparado! Não cometerei mais erros, não posso mais cometê-los. Chegue mais perto, não seja tímido. Escute, tempos atrás decidi não mais aceitar meus erros, não consigo vê-los sobre minhas prateleiras tão lindamente organizadas. Eles me tiram o sono, acordo molhado de suor, vôo pelo corredor e lanço-o contra a parede aos urros. Uff! Mas ele continua lá... Me incomoda como o choro agudo de um bebê. Que poderia fazer, meu filho? No mês passado, eram três deles transbordando meu pequeno apartamento com aquele barulho estridente. Não pense que foi fácil tomar esta decisão. Venha, chegue mais perto... Eu tive que comê-los... Mastigava-os sentado nu no chão de meu quarto, bufando de raiva e chorando de ódio. E quantas noites não me custaram tamanho empenho. Meu sangue! Eu estava defecando meu próprio sangue misturado àquela pasta mórbida. Não, não me olhe deste jeito. Você não entende. Era preciso, aquele choro, a prateleira... Pois bem, vá embora. Deixe-me só... Assim será melhor. Veja meu rosto, minha saúde. Não estou bem. Afaste-se. Preciso escolher com precisão. Não posso errar. Volte! Sabe o que é devorar uma capa dura? Ahrhrhrhrh, meus dentes não agüentam mais novos erros. Como custam passar pela garganta. Vá! E traga-me um livro. Se necessário, uma tesoura também... Não estou me sentindo bem neste lugar. Há tantos livros errados."