segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Trilha sonora do ano novo

Fala brother,


se tudo der certo você deverá estar aqui na próxima semana, ver com seus próprios olhos e julgar se o que falo sobre o caldo cultural dessa cidade é verossímil ou apenas exageros de um bairrista metropolitano. Aliás, adquiri um novo trunfo para o meu entusiasmo urbanóide desenfreado contra o seu ceticismo.

Claro que você já deve ter ouvido no Bar das Revelações, daquele ex-hippie, o João Evangelista. Uma verdadeira figura; todo mundo jurava que o cérebro dele tinha derretido durante os anos 60, principalmente depois daquela viagem de LSD e peyote, no natal de 69. Ainda acho que ele nunca voltou dessa viagem, pois ainda fala sobre o colapso do planeta numa grande estufa projetada pelas grandes corporações unidas sob o nome de Sete Cabeças do Dragão Vermelho S.A. De qualquer maneira, depois de quase 10 anos num sanatório público, e tocado de lá por um corte de verbas e uma futura privatização, João saiu obcecado com essa visão de construir um local onde “os selos deveriam ser rompidos”. Foi atrás de uns velhos amigos, agora enriquecidos pela criação de uma grande rede de comida indiana, e deu essa ideia de um bar, meio casa noturna, onde bandas alternativas e independentes locais poderiam se apresentar. “Os selos deveriam ser rompidos”: acho que o João já fomentava a distribuição de música digital e o colapso das gravadoras na mesma época em que esse brilho rondava a cabeça do Zappa.

O bar já tem uns cinco anos, e é freqüentado por um povo legal das antigas e uma molecada meio debilóide de hoje em dia, mas que tem certa veneração pelos caras mais old school. Acho que essa confluência, possibilitada pela onda retrô, explica o sucesso do lugar.

Bom, todo esse blá blá blá para te falar de uma banda formada com a ajuda do próprio João, só com gente ilustre das antigas, e que estreou no Bar das Revelações há umas três semanas e tem sido um sucesso inacreditável, lotando a casa em todas as apresentações. Evidentemente, esse é trunfo de que falei. Eles vão tocar novamente daqui umas duas semanas, e pretendo com esse show fazer com que você dê o braço a torcer à grandiosidade cultural daqui. Meu velho, você está intimado a assistir ao Finis Mundi!

O grande lance dessa banda é que ela é formada só por nego foda das antigas, e depois de ouvi-los, todo mundo pergunta “como é que esses caras nunca tinham feito nada juntos anteriormente?”. O batera, Denis Guerra, por exemplo, o cara batia cartão na Europa, principalmente Alemanha, França e Inglaterra. Depois, de um tempo, suas bandas não saiam do Oriente Medio e dos Bálcãs. Você lembra na época que ele lançou aquele álbum em duas partes, World War? Apesar de ser o ápice do sujeito, tinha um monte de resmungões falando que o apelo do cara era mais os equipamentos gigantescos e a concentração de solos e grooves totalmente retilíneos, todos em torno do mesmo eixo. Pois bem, a saída da Europa fez bem para ele, que incorporou uma influência mais sincopada do jazz e diminuiu bastante o tamanho do set up, não dando mais margem para as críticas de antigamente. Ele literalmente está fazendo “mais com menos” – pelo que ele me disse, lá no bar, ele projetou esse novo e mais conciso kit no Japão, depois do sucesso por lá de um outro disco dele, o Atomic Songs For Fat Man and Little Boy. Bicho, com o Fini Mundis ele dita o ritmo do som, tudo o que os outros caras fazem parece marchar em função grooves da bateria. E por mais que os compassos sejam quebrados, é incrível como as notas se ligam harmoniosamente. Aquele pequeno golpe de estado na América Central parece ter sido chamado por um conflito mundial bipolar. Uns mísseis caindo na Faixa de Gaza são sucedidos com muita precisão e classe por uma retomada de conflitos na Ásia. Realmente de cair o queixo!

Para formar uma cozinha mantendo esse nível, chamaram o Paulão Chagas para tocar baixo. Esse não mudou muito não. Continua tocando aquilo que a música pede, sem muita firula, dando aquela “liga” entre a sessão rítmica e a parte melódica. Mas quando tem espaço, o cara mostra que é um monstro das quatro cordas. Umas viagens no estilo daquele disco solo dele, gravado durante a década de 80, o Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – puta merda, depois desse play ninguém mais ousou a subestimar o estrago que um baixo pode fazer numa banda de rock n roll. No geral, ele no Fini Mundis é bem isso, o link perfeito entre uma guerra tribal Africana com a posterior fome e morte de mulheres e crianças da região. E como eu disse, quando tem uma brecha detona algo virtuoso, como um Ebola ou Gripe H1N1, e rouba os holofotes.

Aliás, por falar em virtuosismo, é Alexandre Penúria que está tocando guitarra no Fini Mundis, lembra do cara? Autêntico guitar-hero, sempre falando de como o som dele se adaptava a qualquer tempo, e que, portanto, Penúria nunca iria sumir do mundo. O filho da puta sempre foi meio arrogante, estrela e as revistas o adoravam para estampar suas capas; coisa de guitarrista. Pelos menos, tocando com esses caras, agora aquele todo aquele lero de produzir um som que atinja qualquer pessoas em qualquer lugar parece mais real. Ainda adora um solo auto-indulgente, mas tem “jogado mais para o time” agora. Tá sabendo aproveitar o que o Guerra e o Chagas fazem para alavancar umas melodias bem “tapa na cara”. Depois daquela fase new age, morando nuns cantos tipo Serra Leoa e Camboja, trouxe uns elementos exóticos de lá e disse que pretende espalhá-los por todo mundo. Toca pra caralho, mas ainda é um egocêntrico de merda!

Bom, pau na bunda dele, porque que manda nessa banda, sem dúvida é o vocal, ninguém menos que o Thanatos Ceifa. Bom, falar qualquer coisa desse daí é chover no molhado. O cara é uma lenda! Todo mundo no meio sempre diz que sem ele nada andaria, estaria tudo ainda no zero. Desde os grandes até os pequenos, ninguém fica imune quando o cara é o assunto. Puta merda, o Blue Oyster Cult dedicou Don´t Fear the Reaper para ele! Charles Mason só foi se interessar por rock and roll depois de trombar com ele!O cara já era macaco velho quando tudo começou, e ainda sim, ninguém até hoje o superou. Claro, que sempre tem um falando em alguma revista sobre o lance da idade, de como utopicamente surgirá algum aventureiro melhor que ele, e tudo mais...mas, na boa? Todos esses caras calam a boca quando assistem o vídeo daquela apresentação do Thanatos na Guiana, em 1978. O modo como ele domina o público, como as pessoas simplesmente se entregam a ele...Claro que o nome dele sempre foi mais conhecido nos bastidores, - produzindo, dando forma a tudo o que já foi feito de bom - e nunca sua imagem foi muito mainstream, mas é como aquele crítico disse: “o som de Thanatos deixa as pessoas desconfortáveis , tocá-lo numa grande AM petrificaria uma cidade. Mas ao mesmo tempo, o som instiga, provoca , inquieta e faz as pessoas se mexerem, correrem atrás de algo, mesmo que não saibam direito o que é”.

Por incrível que pareça, quem tá empresariando os caras é o próprio João. Não me sentiria muito a vontade se um ex-interno de manicômio tivesse dirigindo meus negócios, mas quando o assunto é a banda, o cara prontamente incorpora uma sobriedade e obstinação admiráveis. Conversei com ele esses dias, e ouvi que a banda já tem todo um projeto estruturado para os próximos anos. Tudo já colocado no papel, por João, nos mínimos detalhes. Quando ele fala disso, torna-se profundamente coerente. “Fini Mundis está destinado a tomar conta do planeta, pois desde sempre essa banda é algo incrustado na existência humana esperando para acontecer, e finalmente as pessoas identificaram uma forma pra isso. Sem dúvida, mais do que nunca, e o Fini Mundis o que elas querem agora”.

Porra! Acabei me empolgando nisso aqui, mas ver essa banda é realmente inspirador. Te prepara então para deixar esses caras te darem um novo rumo, bicho! É o som dos novos tempos!

Abraços

Um comentário:

Rafael disse...

você é louco, Luís.