domingo, 15 de março de 2009

Do berço para Marte

Assisti Watchmen recentemente. Como era de se esperar, não chega aos pés da obra original, mas essa espécie de síntese animada da maior graphic novel de todos os tempos pode configurar facilmente com um, senão o melhor, dos filmes do ano. A despeito de uma evolução de duas décadas na estética cinematográfica não ter alcançando os vôos textuais e imagéticos de Alan Moore, essa não é a questão.
“Um corpo vivo e um corpo morto têm o mesmo número de partículas. Estruturalmente não há diferença. Vida e morte são meras abstrações. Não me preocupo com isso”. - Dr. Manhattan.
Os mais positivistas dos médicos irão garantir que a morte nada mais é do que apenas uma patologia prestes a ser vencida. Por outro lado, esse sempre foi o problema do positivismo, tentar estruturar uma fundação extremamente racional em cima de dogmas completamente irracionais, como o medo da morte, por exemplo. O antropocentrismo é só uma terapia barata para todas as coisas que nos fazem cagar de medo ante suas respectivas inevitabilidades.
Eu gosto muito do Dr. Manhattan. Falar sobre um personagem favorito em Watchmen é muito complicado. Todos eles, cada um deles, são aspectos da humanidade, e versatilidades de uma psique, ou do que interpretamos dela. A fúria excessiva do Rorscharch, para manter o mundo com um sentido claro e nunca se desviar do "caminho certo" que separa o preto do branco, que contrasta veementemente frente à inércia cruel e arbitrária do Comediante, um produto auto declarado do seu meio. Ou Ozymandias, rompendo paradigmas, para o melhor ou para o pior, mas para a transcendência. Até mesmo o panaca do Coruja não nos deixa esquecer do quanto somos patéticos, mesmo quando nos sentimos dominados pelos outros aspectos mais nobres. Ainda assim, o Dr. Manhattan é o personagem mais agoniante e o mais intrigante. Meio passo de homem para Deus, e o quanto os seus pés balançam para esse espaço adiante. A única analogia que consigo fazer é com um bom banho, uma limpeza para higienizar e erradicar todas as odiáveis características humanas e seus conceitos limítrofes com mais idade que a consciência plena.
Quando curarem a morte, eles matam o planeta. É bem complicado...ou não.
"Na minha opinião, ela (a vida) é um fenômeno exageradamente valorizado. Marte se dá muito bem sem um único microorganismo. Sem vida alguma mas com degraus de trinta metros de altura, esculpidos pela areia e vento numa topografia em constante mudança, fluindo e mudando de direção ao redor do pólo em ondas de milhares de quilômetros. Diga-me, que benefício um oleoduto traria para a paisagem de Marte? Que benefício um Shopping Center traria para Marte? Você precisa me contar algo melhor do que isso para me convencer que o seu planeta azul é melhor do que o meu planeta vermelho". - Dr. Manhattan.
O ritual do luto é a maior prova de como o ego impede algumas das compreensões mais simples. "Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". -Lavoisier.
Eles chamam de fim. A mente nublada com o medo de conceber qualquer coisa diferente do habitual leva todas essas ovelhas bípedes aterrorizadas a imaginarem uma vida após a morte. Nada mais desnecessário. Que ao me enterrarem, plantem raízes alucinógenas acima de mim. Que meu corpo morto nutra o vegetal, que minhas partículas decompostas entrem em fusão com água e sais minerais, percorrendo as paredes de um xilema, em sua delicada arquitetura fractal. Que a planta prevaleça comigo dentro de si, até que um xamã, um escritor junkie, ou qualquer possível idiota faça um chá e o ingira. Minhas ex-partículas decompostas, agora não mais minhas, nem da planta e tampouco do possível idiota, mas da unidade que formamos, entrem em comunhão, através de alcalóides inibidores de monoamina oxidas, caótica com aquele sistema elétrico de sinapses. A unidade a prova de qualquer dualidade ou dialética, ou se preferirem, o retorno ao éden.
A vida após a morte existe, e é muito mais harmoniosa do que qualquer vislumbre histérico religioso. Se curarem a morte, interrompem um ciclo delicado, base da constante harmonia do planeta. É como recusar a amputar um membro gangrenado por gostar demais dele. Eu pergunto a qualquer positivista se é lógico deixar um membro estragado condenar o corpo todo. A morte é uma doença? Só se você não ousar a encará-la como uma cura.

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