
Por que uma loja 24 Horas precisa de portas? E por que a sede do governo fica em um palácio, se nosso regime é republicano? Além de um passatempo
bacana, ficar encontrando contradição nas coisas é um hábito
preparatório para um futuro idoso entretido. De tão universal e atemporal esse exercício mental, suspeito que absolutamente nada escape ou resista à sua prática. Determinadas bandeiras político-
econômicas, por exemplo, certamente não.
Antes de continuar, que fique bem claro que este não é um tratado científico e tampouco um texto doutrinário. É, como disse acima, apenas um passatempo mental de um cara rabugento e com algum tempo livre. E caso não estivesse aqui, teria sido vomitado em uma mesa de bar, após algumas cervejas, em companhia de amigos igualmente
rabugentos e com algum tempo livre. Portanto, e de forma menos explicativa: caso não gostem e achem – certamente acharão – um raciocínio raso, vocês provavelmente têm razão, MAS EU ESTOU POUCO ME
FUDENDO PARA ISSO. ENTÃO,
NÂO ME ENCHA O SACO!
I
O
atual governo do estado de São Paulo, regido pelo
PSDB, carrega um
projeto comum para os
tucanos, cujo um dos estandartes é o neoliberalismo. Resumidamente: avenidas devidamente asfaltadas e atraentes, com mínima quantidade de praças de
pedágios para grandes agentes da economia privada é a aposta de desenvolvimento. A pergunta não é o quanto o estado pode colaborar ou aproveitar essa fomentação, mas o quanto pode não atrapalhar; pois como bons liberais, há a concepção de que o estado é um corpo deveras pesado e lento para correr ao lado das, cada vez mais, dinâmicas e velozes empresas. Seguindo essa linha, seria ainda mais humilhante para o estado, tentar
frear ou cercear
atividades econômicas, pois além de
contraproducente seria uma tentativa fadada ao fracasso.
Em linha bem semelhante está o ideal político-
econômico dos EUA. A crise de 2008 mostra bem isso. O estado deu carta branca para especuladores deitarem e rolarem como crianças em uma piscina de bolinhas. Claro, que houve o
inconveniente dos calotes em efeito dominó e a explosão da crise, mas o estado bem
subserviente à economia tratou de rebocar os rombos financeiros e salvar todos os jogadores privados com dinheiro público. Ao invés de “quem não ajuda, não atrapalha”, foi “não atrapalha e trate de ajudar quando der merda”.
II
Eu poderia obter a mesma diversão jogando
Tetris,
War, ou o que seja, mas fiquei entretido vendo como ambos os modelos Estados, declaradamente coadjuvantes dos processos
econômicos, tentarem
frear relações de oferta e demanda, recentemente.
Em São Paulo, o governador e o prefeito da capital tentam a qualquer custo colocar um pano por cima da epidemia do
crack atacando militarmente aquilo que eles consideram como o ponto chave do problema, a região da
cracolândia. Tão
escolados na fluência dos processos
econômicos, duvido que não tenha pensado o que eu, um escroto com interesse em retórica, pensei.
Arrebentar com a
cracolândia, a lá Charles
Bronson, de maneira alguma vai encerrar o consumo de
crack. A demanda não vai diminuir, e muito menos a oferta. O que empresas fazem quando se vêem em terrenos adversos às suas
atividades e maximização de seus lucros? Procuram outro lugar, de preferência com mão-de-obra barata, impostos simbólicos e fiscalização estatal convenientemente
relapsa. Inclusive, nessa fase de manutenção, existe até a brecha para um aumento de preço, dado que esse negócio possui o sonho de qualquer
diretor de
markenting: um produto
quimicamente pontencializador da demanda . Logo, assim como uma grande empresa é uma entidade totalmente descentralizada, dotada de grande facilidade de fluxo, sendo endereços e sucursais apenas manifestações, a
cracolândia pode ser qualquer lugar. É só colocar a placa em outra região. E recuperando a metáfora velocista, mercadores e consumidores sempre conseguirão ultrapassar a linha de chegada com grande folga em relação ao gordo e cansado estado de concepção
tucana.
Nos EUA, o buraco é ainda mais
embaixo. Depois de terem a sensação do
compartilhamento de arquivos, não é um
projeto de lei ou o fechamento de um site de armazenamento que irá interromper essa relação de oferta e demanda. Principalmente pela via digital, onde a velocidade desse fluxo é infinitamente maior, deixando ao estado, na impossibilidade de alcançá-lo, apenas gambiarras ao melhor estilo Coite x
Papaléguas. A cada site fechado, é tempo suficiente para a abertura de mais uns cinco, sem contar de origem externa ao EUA, onde acaba a jurisdição do Tio Sam. Isso me lembra as antigas
HQ´S do
Nicky Fury lutando contra a organização HIDRA: “
HAIL HIDRA! A CADA CABEÇA CORTADA DUAS NASCEM NO LUGAR”.
Diferente do caso do governado de São Paulo, o aparelho repressor americano nem tanta familiaridade tem com o local desse
escambo, dado que via de regra, esse local nem mesmo exista concretamente. Tentar sitiar a
internet parece como tentar colonizar a Terra do Nunca ou o País das Maravilhas. O estado nunca conseguiu nem acabar com a troca de fitas-cassete, o que dirá de arquivos digitais. Acho que a parte que mais dói nisso tudo é o fato da maior parte das trocas serem gratuitas.
III
O que a meu cérebro demente tira de tudo isso? Que aparelhos estatais neoliberais já partindo de sua concepção de incapacidade intervencionista pouco pode fazer para
frear a relação de oferta e demanda nesses dois casos. Uma
ação truculenta em um ponto dessa relação longe de ameaçá-la, só faz com que ela se desloque a outro ponto ainda melhor. A cabeça baixa às
atividades produtivas e comerciais “lícitas” minou na base o poder de qualquer
ação contra as ilícitas, dadas suas mesmas naturezas
econômicas. Vendo pela
exceção, uma das poucas diferenças é que a pirataria e a venda de drogas, diferente, por exemplo, dos
atores da especulação imobiliária, não financiam campanhas.
A repressão policial é um artifício muito arcaico e draconiano para imaginá-lo com chances de sucesso. No caso de São Paulo, o estado que rotineiramente “lava as mãos” dos problemas teria que começar a fazer algo estranho a sua própria razão de ser: investir em
ações sociais, sem a perspectiva de retorno ou economia financeira, caso tenha a pretensão de
frear o alastramento da epidemia do
crack.
Já nos EUA, o estado teria que parar de
bancar a mãe coruja da criança mimada que é a indústria do
entretenimento. Se essa indústria pode multiplicar em larga escala seus produtos, a revolução tecnológica agora assegura que o cidadão comum também o possa fazê-lo. Não adianta mais chamar a mamãe agora que o vizinho pobre também tem uma bola nova. A regulação estatal deveria se orientar no sentido de equiparar o comércio cultural em denominadores comuns entre a indústria e o nicho do
compartilhamento digital. E isso só será possível quando a primeira cair na realidade e perceber que seus absurdos lucros com qualquer porcaria sonora ou audiovisual estão enterrados no passado.